Realidade que tem levado cientistas a afirmarem que chegamos a um decênio decisivo (Marques, 2023). Temos que ter atitudes urgentes para o enfrentamento do aquecimento global que, como fruto das opções humanas, ameaça nossa vida na Terra.
*Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo da diocese de Livramento de Nossa Senhora (BA), presidente da Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração da CNBB – Via Correio Braziliense
Justamente quando o mundo clama por medidas urgentes contra a emergência climática, o Congresso brasileiro aprova um projeto que pode aprofundar o colapso ambiental. Na madrugada do dia 17 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, que agora aguarda a sanção presidencial. Trata-se de uma medida que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no Brasil. Assim, em vez de fortalecer as leis de proteção ecológica, a maioria dos Deputados Federais e Senadores opta por enfraquecê-las ainda mais, em um momento crítico para o futuro do planeta.
Essa escolha política, que ameaça diretamente os mecanismos de proteção da vida e dos ecossistemas, contraria princípios fundamentais de diversas tradições religiosas e espirituais — entre elas, a tradição judaico-cristã. “Então Deus viu que tudo que havia feito era muito bom” (Gn 1, 31), afirma o texto sagrado. O salmista reza: “quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas, as coisas que criaste, que é o ser humano, para dele te lembrares, o filho do homem, para que o visites?” (Sl 8, 4-5).
A tradição judaico-cristã, ao conceito de natureza acrescenta o de criação, compreendendo a relação do criador com suas criaturas. E ensina que o ser humano possui a nobre vocação de guardião da maravilhosa obra divina. Entretanto, a complexa crise socioambiental revela que nossa espécie é responsável pelo grande desequilíbrio do planeta. Realidade que tem levado cientistas a afirmarem que chegamos a um decênio decisivo (Marques, 2023). Temos que ter atitudes urgentes para o enfrentamento do aquecimento global que, como fruto das opções humanas, ameaça nossa vida na Terra.
Conscientes desses graves problemas climáticos e de nossa tarefa ética enquanto guardiões da criação, fomos surpreendidos pelo PL 2.159/2021. Este projeto de lei concede aos interesses econômicos o direito de autodeclaração do que considerarem de baixo impacto. A própria empresa, por exemplo, uma mineradora, é que vai dizer se uma área a ser explorada necessita ou não de licença ambiental.
De fato, flexibilizar as leis que protegem nossa biodiversidade é reforçar os empreendimentos predatórios. Conceder ainda mais autonomia a essas atividades para avançarem sobre territórios indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, afetando nossos biomas, comprometendo a estabilidade hídrica e a preservação dos rios, é colaborar diretamente com o agravamento da crise climática. A exploração abusiva da natureza sustenta um modelo de consumo insustentável, guiado principalmente pelos interesses das elites econômicas globais. Essa parcela mais privilegiada e concentradora de poder e riqueza no planeta é o grupo que mais polui o ar e acelera as mudanças climáticas. Nossas matas ciliares, áreas de recarga hídrica, zonas úmidas serão atingidas, ainda mais, em nome de poder e dinheiro. Além de ser inconstitucional, o projeto da devastação não afetará apenas o Brasil, mas também a Bolívia, o Peru, o Paraguai, o Uruguai e outros países. O pior cenário seria a perda de sustentabilidade da Amazônia enquanto ecossistema tropical. Bioma que não possui 18% de sua floresta original.
Igrejas e a sociedade não podem compactuar com esse projeto da devastação, pois ele vai acelerar o ecocídio e agravar a crise climática. Não precisamos de mais projetos que contradizem os princípios da ecologia integral, atacando territórios, vidas humanas e mudando o clima, em nome da ganância. Não é por acaso que nosso país amarga índices muito altos de violência contra ambientalistas. Basta de ameaças, perseguições e mortes de defensores dos direitos humanos e da natureza. Com a proximidade da COP30 no Brasil, o que esperamos é um pacto pela ecologia integral.
Recentemente, as conferências e os conselhos episcopais católicos da África, Ásia e América Latina e Caribe publicaram uma mensagem intitulada “Um chamado por justiça climática e a casa comum, conversão ecológica, transformação e resistência às falsas soluções”. Trata-se de uma denúncia contra o chamado capitalismo verde, que continua maquiando a realidade para favorecer o extrativismo ilimitado. O documento também anuncia que a sustentabilidade está na defesa da ecologia integral enquanto paradigma para uma nova forma de relação do ser humano com a criação. Propõe reais alternativas de proteção do meio ambiente e da sociedade que estão em curso nas sabedorias de nossos povos e na resistência de muitos movimentos sociais. Pois não podemos sonhar com uma existência saudável se, em nome do lucro, estamos alterando o clima a ponto de nossa vida ficar insustentável neste planeta. É por tudo isso que dizemos NÃO ao PL da Devastação.